sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Eu e a dependência química

Há 6 meses fui cobrada a ajudar ao próximo. O que eu venho fazendo com a minha saúde e tempo de vida? É fácil pensar em uma vida boa, com sonhos realizados, é sem dúvida agradável viver bem. Notei que as pessoas mais incríveis que eu já conheci buscavam sempre melhorar na vida. Mas eu tive ensinamentos em um determinado momento e lugar, de que, não basta sermos melhores, não basta evoluirmos em todas as áreas de nossa vida, se, não houver caridade. A principal mensagem que Jesus nos deixou, quer tu seja religioso ou não, que seja histórico apenas, Jesus disse para amarmos ao próximo como a nós mesmos. E eu resolvi amar quem precisa, não quem eu quero amar. Que mérito tem quem ama ao que nos ama? E que mérito tem quem ama ao que nada nos tem a oferecer? Eu fui atrás de trabalho voluntário.

Pensei a princípio em trabalhar com gestantes, diante da minha identificação hoje como mãe. Sempre valorizei a empatia como ferramenta principal em qualquer relação. Sabe quando nada dá certo para um plano? Disse uma nova amiga minha há alguns dias "Nosso erro é achar que nós escolhemos a nossa demanda, por que na verdade, a demanda é quem nos escolhe". Minha praia não era gestantes. E foi numa quinta-feira que eu entrei como visitante em um grupo terapêutico para dependentes químicos, sozinha, sem saber quem procurar, sem entender porquê estava alí e o pior de tudo para mim, sem saber por onde começar a tal auto-apresentação.

Tenho pensado muito nisso e em como registrar mais um momento novo da minha história aqui no blog, então vou trazer o que mais tem me chamado atenção. Os pontos principais que venho observando, sem clichê, sem teoria; e sim a prática, a minha vivência com famílias que sofrem, e muito, com esta demanda que me escolheu e que eu não me opus nem pretendo me opor por todo o tempo que me for permitido. Preciso confessar e desabafar o meu apaixonamento por um trabalho forte, difícil, amargo, real, distante, vítima de preconceito e absolutamente recompensador. Em busca de ajudar ao próximo, eu me senti acolhida, ajudada e, exatamente no lugar onde deveria estar. Sem hora pra ir embora.

Quando falamos em dependência química, logo pensamos em drogas, álcool e também medicações lícitas. Eu pensava assim até lidar diretamente com ela. Tenho aprendido que o fator maior na maioria, poderia arriscar dizer até todos os casos, o fator maior e mais importante não é a dependência química em si, mas os outros e diversos fatores que levaram o indivíduo ao uso da substância, ainda no princípio, e que se fossem tratados a tempo, talvez (eu disse talvez) ele não estivesse passando por esta luta agora. É certo dizer que nem todos que usam qualquer tipo de substância se tornam dependentes, mas também posso afirmar que a maioria que conheci até agora, não usaram de maneira moderada. Afinal, o "barato" é a brisa. E como já ouvi e até já repassei em brincadeira "beber para não ficar bêbado, é engordar de graça". Mas o uso abusivo leva a dependência e de uma mera brincadeira, à patologia, à dor, à morte.

Desde então eu não consigo mais beber como antes e passei a ver os meus experimentos curiosos até então como um grande risco para a minha saúde e também saúde familiar. Dizem que nada é por acaso né.. cada dia mais eu tenho certeza disso. Há alguns anos tive um relacionamento ao qual fui muito apaixonada, e com o passar dos anos descobri que ele era usuário de drogas, digo usuário porque na época ele ainda não sofria de nenhuma dependência química. Aquela vivência me traz hoje, muito da empatia que eu pensei ao escolher o meu trabalho de caridade. E foi aí que a demanda veio e veio com tudo. Eu não pude mais me abster do tema e dei o meu depoimento em grupo, contei a minha história, as minhas dores da época, como estou hoje diante daquilo. Eu me senti a louca co-dependente, mas como também disse essa minha amiga "quem não é?", e foi assim o meu ingresso na demanda dependência química.

Pude observar que a dependência química, embora uma doença, é uma dependência como todas as outras que existem por ai, como comer, comprar, jogar, transar, sem controle. E a co-dependência, também existe em diversas áreas de todos os relacionamentos, seja com um adicto, seja com trabalho, parente, lugar e o mais importante para mim, costumes. A visão se amplia, e tu passa a ver o dependente químico como um cara absolutamente igual a ti, com dificuldades de lidar com as emoções (lembra as questões primárias que falei acima?), com exercícios que SÓ POR HOJE foram cumpridos e que amanhã começa um novo dia. E o co-dependente é só uma pessoa tentando entender que aquela outra pessoa que a gente julgava ideal, é na verdade, alguém falho e doente, que por vezes nos deixa mais doente do que "o doente" em si. Eu percebi que o adicto tem um perfil mesmo muito parecido, atraente, como eles são incríveis!! Mas que cada qual em suas nomenclaturas, são todos iguais, na busca por libertação.

Libertação da fissura; libertação do luto simbólico daquele que achávamos que era perfeito; libertação dessa vida que virou um inferno; libertação dessa co-dependência diante do suicídio do meu marido; libertação esta que já não sei aonde encontrar, mas que com o depoimento do meu irmão, eu posso acreditar que ela exista. E ir atrás dela. Porque a vida ainda vale a pena; porque eu definitivamente não preciso da droga para respirar, vivi 12 ou 20 anos sem ela; porque meu casamento acabou e eu não quero perder mais nada; porque meus filhos têm vergonha de mim; porque só me restou a vida para continuar; porque só por hoje eu posso sim conseguir tudo o que eu desejo. Não por positivismo, nem porque pode ficar ruim, se estivesse bom não estaríamos em tratamento. Mas porque dessa vez, eu escolhi, e eu posso mudar.

Fiz esse parágrafo acima porque também entendi que não é o familiar que vai libertar o adicto da dependência, nós quando co-dependentes temos essa falha de achar que podemos controlar a vida do outro, na tentativa de libertá-lo do que julgamos - para nós - ser algo nocivo. Mas nada é mais nocivo do que tirar do outro a oportunidade de escolher o próprio destino, é frustrante pra ele e principalmente para nós, porque isso não é possível até o fim. Esquecemos que a vida é de cada um, e que todos temos o tempo certo para mudarmos, ou não. E isso é extraordinário na terapêutica desses pacientes, a aceitação de que agora o jeito é esperar e cuidar de si, para que quando de fato o dependente químico precisar de ajuda e aceitar tal, sua base esteja forte o bastante para lhe acolher, ambos em busca de uma sobriedade necessária, talvez não eterna, mas o bastante para se viver em paz hoje.

Eu cai de cabeça, hoje sou psicóloga voluntária, atendo junto de uma nova amiga e impecável psicóloga aos familiares deste grupo, em outubro darei a minha primeira palestra, entrei para um curso de capacitação para prevenção de recaídas na dependência química pela Universidade de Guarulhos, neste sábado participarei de um congresso sobre política e drogas e, não pretendo parar tão cedo. 
Tem sido extraordinário! Eu me encontrei.

Este post fiz em registro e também, carinhosamente, aos pacientes do Grupo Fraterno do Centro Espírita Nosso Lar Casas André Luiz - Unidade Vila Galvão.

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