segunda-feira, 15 de abril de 2013

Calma, filha!

Oi vó.
Há alguns anos tu te foi da minha vida, só eu sei o como foi e o que tem sido. Foi de repente, eu estava na fila do cinema, não tive a chance de te falar o que eu gostaria caso soubesse que naquela noite tu partiria. Hoje eu fui ao cinema com a minha filha... Vó, eu queria que tu tivesse tido a chance de conhecê-la e sei que faria disto uma coisa maravilhosa. Como fez com a nossa amizade. Ir ao cinema é prazeroso, mas para mim é sempre uma razão para lembrar da noite em que nos despedimos. Sei que tu foi embora, e não irá voltar nunca mais, também sei que jamais lerá esta cartinha, eu só quero registrar o que eu gostaria de te falar. Não só naquela noite horrível, mas em todos os dias em que tu faz falta por aqui. Teu cafuné de unhas longas e mãos leves faz muita falta. Quando a minha filha sorri, e aparece com cada novidade, faz falta tu aqui para chamá-la pelo nome completo naquele sotaque sulista, como sempre fez comigo: "Marília, vem aqui com a vó, olha o dindo aqui falando contigo". Eu ouço a tua voz dizendo isso e aperta tão forte aqui. 

O cheiro do teu cabelo nunca sairá da minha lembrança. Meus amores são baseados em cor, cheiro e música. Os nossos tons de bege e rosa antigo. Os cheiros de chás e cigarro. Eu não te levei ao show do rei, vó. Eu não cumpri minha promessa. Mas eu lhe garanto, cada vez que ouço suas músicas, eu penso em ti querida. Tu está em cada verso. A minha filha nasceu no dia do aniversário dele, fiquei orgulhosa disto. Meu fígado ainda anda muito ruim, eu costumo exagerar como sempre e tua acupuntura faz muita falta; minhas crises de enxaqueca também, tive que aprender a tomar remédios sem ti. Ah vó, eu ainda me pergunto porque tu teve que ir embora. Por quê? Eu me fiz tantos deste até hoje. As pessoas seguiram suas vidas, sei que muitos sofreram, mas falar que passa... Ah, passa nada! Os novos ciclos vão começando e eu queria que estivesse aqui para me ajudar. "Calma, filha!", era tudo o que eu precisava ouvir agora. A mana recebeu um diagnóstico tão difícil vó, tu saberia tratar isso tudo tão melhor que os médicos, tenho certeza. Só sabemos que somos fortes quando precisamos ser de fato.

Eu ainda como o nosso pão integral com requeijão e suco de caju no café da manhã, hoje eu entendo a importância dele ser integral e o requeijão "suficiente", tu só queria o meu bem. Queria ter tido mais tempo contigo, foram 17 anos, muito pouco para uma vida. O papai Noel voltou a nos visitar vó, a Sophia adorou! O fim de ano é sempre mais difícil, no reveillon tu me abraçava e dizia "Aproveita a vó filha!"; eu te aproveitei. Graças a Deus eu fiz isso. Essa semana minha filha completará 1 ano de idade, ela é tão doce, tão companheira. Tenho certeza que vocês iriam se dar muito bem. Tô cuidando pra ela não ser gordinha, sei que não está preocupada, mas se estivesse aqui estaria preocupada com isto. Ela come muito bem. E também gosta dos meus esmaltes, ela sempre escolhe os vermelhos, acho que puxou à nós. Ela não é loira como o vô, mas tem os olhos dele, ele ficaria orgulhoso. Vó, vou me despedindo. Tu foi uma grande amiga, aquela que ninguém jamais ocupará o lugar. Alguém que a minha filha saberá quem foi. Obrigada por cada carinho, cada viagem ao Sudeste pelo litoral, nas dunas, mares, hotéis, estradas que fomos juntas, cafés da manhã, pipocas, chás e mates. Amargas saudades. Aquele nosso abraço, beijo da tua Marília.