sexta-feira, 28 de março de 2014

Abri mão

Talvez eu ainda não esteja pronta, talvez só não esteja disposta a dividir minha prateleira de livros, nem abaixar a tampa do vaso sanitário. Talvez amanhã eu nem escreva sobre como me arrependi. Porque principalmente hoje, eu não quero ouvir conselhos; de mim e do que passei, quem sabe? Cada qual sabe parte, mas e o todo de mim? Pode acontecer de eu conseguir. O fim é tão relativo quando ainda estamos vivos. E quem de fato morre?

Perdi as minhas maiores certezas, perdi a fé e a refiz, respondi perguntas, abri novas questões, servi novos pratos à minha frente. Parte disto pode ter me transformado em qualquer coisa que não queira mais tolerar. Foram poucas as oportunidades que vi se repetirem e, eu não posso perder mais meu tempo, seu tempo, tempo de tudo que me rodeia, por exemplo os planetas desta galáxia, entre tantas outras tão maiores.

Tudo se movendo o tempo todo e eu nesta sala a pensar sobre o jantar. Realmente, talvez eu ainda não esteja pronta nesta vida. Meu "mundo cozinha" se expandiu, eu quis voar. E voei. Voei para tão distante daqui e de tudo que todo o mundo chamou de mundo perfeito. Talvez eu seja doida demais para aquela perfeição. E me desagradei. Faltou e eu voei, pulei fora, nadei contra a corrente. 

Porque eu nunca fui todo mundo. E este foi o grande erro, vindo de mim mesma, tentei fazer o que todos diriam que seria perfeito, me esquecendo de tamanha imperfeição minha. Acabei com os sonhos desse povo todo, povo este que nada têm com a minha maluquez. Se eu tô preocupada? É o que o mundo todo faria. Sinto-me livre, sinto-me muitas de mim, de várias eras, de vários mundos.

Porque eu não nasci para amar pessoas apenas, amo lugares que não me prendem e coisas que me atraem com a liberdade de sempre querer voltar, amo cheiros meus e cheiros que vão e vêm, corem que ficam na memória. Sim, eu preciso disso para sobreviver e, não poderia mais viver a beira da morte, presa longe de quem sou. Por mais ingrato que isto soe para todo o mundo, eu nunca fui parte deste mundo todo. Abro mão.

terça-feira, 18 de março de 2014

É errado pensar que o amor vem do companheirismo de longo tempo ou do cortejo perseverante. O amor é filho da afinidade espiritual e a menos que esta afinidade seja criada em um instante, ela não será criada em anos, ou mesmo em gerações.
Khalil Gibran

sábado, 8 de março de 2014

Poema de gratidão

"Muito obrigado Senhor!
Muito obrigado pelo que me deste.
Muito obrigado pelo que me dás.

Obrigado pelo pão, pela vida, pelo ar, pela paz.
Muito obrigado pela beleza que os meus olhos vêem no altar da natureza.
Olhos que fitam o céu, a terra e o mar
Que acompanham a ave ligeira que corre fagueira pelo céu de anil
E se detém na terra verde, salpicada de flores em tonalidades mil.

Muito obrigado Senhor!
Porque eu posso ver meu amor.
Mas diante da minha visão
Eu detecto cegos guiando na escuridão
que tropeçam na multidão
que choram na solidão.

Por eles eu oro e a ti imploro comiseração
porque eu seique depois desta lida, na outra vida, eles também enxergarão!

Muito obrigado Senhor!
Pelos ouvidos meus que me foram dados por Deus.
Ouvidos que ouvem o tamborilar da chuva no telheiro
A melodia do vento nos ramos do olmeiro
As lágrimas que vertem os olhos do mundo inteiro!

Ouvidos que ouvem a música do povo que desce do morro na praça a cantar.
A melodia dos imortais, que se houve uma vez e ninguém a esquece nunca mais!
A voz melodiosa, canora, melancólica do boiadeiro.
E a dor que geme e que chora no coração do mundo inteiro!

Pela minha alegria de ouvir, pelos surdos, eu te quero pedir
Porque eu sei
Que depois desta dor, no teu reino de amor, voltarão a sentir!

Obrigado pela minha voz
Mas também pela sua voz
Pela voz que canta
Que ama, que ensina, que alfabetiza,
Que trauteia uma canção
E que o Teu nome profere com sentida emoção!

Diante da minha melodia
Eu quero rogar pelos que sofrem de afazia.
Eles não cantam de noite, eles não falam de dia.
Oro por eles
Porque eu sei, que depois desta prova, na vida nova
Eles cantarão!

Obrigado Senhor!
Pelas minhas mãos
Mas também pelas mãos que aram
Que semeiam, que agasalham.
Mãos de ternura que libertam da amargura
Mãos que apertam mãos
De caridade, de solidariedade
Mãos dos adeuses
Que ficam feridas
Que enxugam lágrimas e dores sofridas!

Pelas mãos de sinfonias, de poesias, de cirurgias, de psicografias!
Pelas mãos que atendem a velhice
A dor
O desamor!
Pelas mãos que no seio embalam o corpo de um filho alheio sem receio!
E pelos pés que me levam a andar, sem reclamar!

Obrigado Senhor!
Porque me posso movimentar.
Diante do meu corpo perfeito
Eu te quero rogar
Porque eu vejo na Terra
Aleijados, amputados, decepados, paralisados, que se não podem movimentar.

Eu oro por eles
Porque eu sei, que depois desta expiação
Na outra reencarnação
Eles também bailarão!

Obrigado por fim, pelo meu Lar.
É tão maravilhoso ter um lar!
Não é importante se este Lar é uma mansão, se é uma favela, uma tapera, um ninho, um grabato de dor, um bangalô, uma casa do caminho ou seja lá o que for.

Que dentro dele, exista a figura
do amor de mãe, ou de pai
De mulher ou de marido
De filho ou de irmão
A presença de um amigo
A companhia de um cão
Alguém que nos dê a mão!

Mas se eu a ninguém tiver para me amar
Nem um tecto para me agasalhar,
nem uma cama para me deitar
Nem aí reclamarei.
Pelo contrário, eu te direi

Obrigado Senhor!
Porque eu nasci!
Obrigado porque creio em ti
Pelo teu amor, obrigado senhor!"
Poema de Gratidão - Amélia Rodrigues (Divaldo Pereira Franco)