terça-feira, 30 de setembro de 2014

Luto insistente

É que a gente insiste naquilo que nem a gente sabe porquê. Ele não era tão bonito assim, mas a gente não esquece o jeito como ele segurava o violão e cruzava a perna direita sobre a esquerda. A verdade é que olhamos, mas não vemos aquilo que todo o mundo vê. De repente nem viamos o que realmente estava ali. É que a gente insiste naquilo que a gente quer ver, e isso nem sempre requer eternidade. Haverão tantas outras pessoas com o mesmo cheiro amadeirado, mas nunca mais aquele misturado com o frescor do pós barba dele.

Talvez por faltar resposta do porquê é que a gente insista, se alguém responder um dia é como se fossemos loucamente atrás de novas perguntas. Mas não é isso que acontece, então a gente fica sem saber, loucamente nessa fixação. A gente vai insistindo, deixando para lá qualquer conduta aceitável. Porque ele tinha tudo que todo homem tem, ombros comuns, mas ainda assim, a gente vai insistir em reparar naquela pinta no ombro esquerdo, que nasceu depois de conhecê-lo. Ombro que um dia, foi a base para não cair um mundo. 

É a forma como os pelinhos do braço tombavam para a mesma direção, com um redemoinho próximo ao punho. A forma de olhar de canto, meio sério, meio quase rindo. Aquele telefonema empolgado que depois virou chamada perdida e que a gente insiste só pra ouvir a gravação da secretária eletrônica de novo, de novo. Insiste na tentativa de que a morte só aconteça no final de filmes tristes. Insiste em depositar saudade no lugar de todo o resto.

Mas como nem ele mesmo foi capaz de corresponder tamanha eternidade, aquilo que nomeamos como "nossa vida juntos", vira "uma vida à continuar". E o que nos resta fazer com o entendimento de que a base do mundo nunca deve estar nas mãos de outro? ou nos ombros, melhor dizendo. A gente aprende que desenhar ao nosso modo, ilude nós mesmos. E que colocar na balança aquela mania dele em mentir é tão importante quanto aceitar que a perfeição de um infinito, teve fim.

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Tanto faz

- Vai querer o quê?
- Bem, tanto faz.

"Tanto faz" não é resposta de quem não sabe o que quer, "tanto faz" é resposta de quem não sabe como falar aquilo que realmente quer. Porque eu não consigo acreditar que alguém realmente não tenha preferência por mussarela ou calabresa. E se a vida chegou ao ponto, em que vermelho e azul sejam indiferentes para esse sujeito, me desculpe, mas ele permitiu que a própria vida virasse um "tanto faz", em algum momento que podemos refletir sobre diversas questões.

- Quer começar?
- Tanto faz.

Quando a vida nos dá a oportunidade de iniciativa, "tanto faz" pode ser a nossa negativa, afinal quem começa não faz pergunta nem oferece alternativa, simplesmente toma a frente com ação. Se achar que é a hora, basta à você saber que é, vai. Comece. Escolha começar. Porque na vida nem sempre nos é dada a oportunidade de escolha, e ainda que não haja esta, houve então a escolha de uma não escolha. Como um plano de não plano, eu sempre digo isso. Mas que seja verdadeiramente tua essa opção e, de mais ninguém.

- Pedi laranja para você, tá?
- Já pediu? Ah, tanto faz.

Mas acontece que nem sempre a pergunta vem aberta, e aí fica ainda mais ousado você se opor ao "tanto faz", como se fossemos obrigados a responder aquilo que a própria pergunta nos traz. E não tô falando de perguntas concretamente, tô falando de convívio, de vida, de prática, de dados empíricos que pude observar. Algumas pessoas têm a covarde mania de provocar o "tanto faz" alheio e impedir assim, a existência do outro, que agora vive nas suas condições impostas. Não foi uma gentileza, foi uma condição controladora. A laranja já estava à caminho, mas naquele dia ele queria manga.

E ai chega no momento em que não há mais perguntas. Os gestos te humilham. A profundidade te domina. O "tanto faz" sentido te apaga. Em absolutamente qualquer época da tua vida, jamais se permita viver de momentos que tanto fazem. Dia nenhum "tanto faz" deve ser a tua resposta. Para que se por alguma razão, não houverem mais perguntas, seja somente o teu querer sobre si e sua existência que falem daquilo que nasceu para ser. Esta oportunidade é única, seja também.

terça-feira, 16 de setembro de 2014

Perdas

Perde-se a paciência, perde-se a hora ou até mesmo a consciência. Pode ser perdido porque de alguma maneira deixou de ser compreendido. Pode ser perdido porque deixou de ser ouvido, o som esquecido. Perde-se alguém, perde-se aquilo e por quantas vezes, perde-se o trêm. O trêm da tua sida, pra sarar tua ferida, o trilho à nova vida.

Perde-se a coragem, deixa-se de lado toda a vantagem. A gente perde a própria imagem. Perde-se a chave, chuta-se na trave, nota-se um passado que ainda invade. Perde-se porque quer perder, porque nunca veio a pertencer, porque mais cedo ou mais tarde iria mesmo morrer. Perde-se quando menos se quer perder e, quando mais se acha capaz de conhecer.

Porque perder faz parte, participar é a grande arte. Nessa busca pela verdade, encontrar realidade. Perde-se a ilusão, encontra-se com o luto e se renasce para a razão. Perde-se a inocência, vive-se a adolescência, fruto da inesquecível experiência. E por fim, entender que nada foi perdido, nem tão pouco lhe proibido. Perdas que modificaram fatos, por pura consequência de seus próprios atos.